Notas inusitadas: as matérias-primas e os acordes mais diferentes da perfumaria

Narração com IA disponível no vídeo.

No texto anterior, falamos sobre as diferenças entre os ingredientes naturais e sintéticos na perfumaria e sobre como ambos desempenham papéis essenciais na criação de fragrâncias. Enquanto os naturais carregam em si a alma da matéria-prima, os sintéticos abrem portas para a inovação, permitindo que os perfumistas ultrapassem os limites do que é possível extrair da natureza.
É justamente nesse território criativo, onde a ciência encontra a arte, que a perfumaria contemporânea floresce, explorando combinações inéditas e transformando o improvável em beleza. E é sobre essas notas inusitadas, matérias-primas e acordes que desafiam o comum, que vamos falar neste texto.

O universo além do óbvio

Sempre que pensamos em perfumes, é comum que nos venham à mente imagens do senso comum como: rosa, jasmim, sândalo e madeiras. Esses são os ingredientes que consideramos clássicos, atemporais e, com toda certeza, belos.
Mas o universo dos perfumes é muito amplo e, em sua busca contínua por originalidade e maior complexidade das fragrâncias, os perfumistas têm se aventurado cada vez mais por caminhos menos óbvios. Atualmente, eles exploram ingredientes que desafiam nossos conceitos tradicionais de fragrâncias, transformando o que é improvável em algo sublime.
Desde os minerais até as notas gourmands e, quem sabe, até odores que podem remeter ao perigo, esses cheiros contam histórias realmente únicas na pele.

O fascínio dos minerais

Um dos caminhos olfativos modernos mais explorados e fascinantes da perfumaria é a crescente ascensão das notas metálicas e minerais. Essas são notas obtidas em laboratório e remetem à sensação de rochas, podendo evocar um cheiro mineral que lembra pedras, terra úmida ou a sensação de chuva. O sílex, por exemplo, é utilizado para essa finalidade. Em fragrâncias como o nosso perfume Terra, ele cria uma sensação de terra úmida e fresca. É uma nota que acrescenta complexidade profunda e um toque de mistério, fugindo do caminho tradicional e derivando para uma experiência mais visceral de terra e minerais, que pode ser até mesmo etérea.

Para citar mais exemplos inusitados, podemos falar de notas que remetem ao cimento, ao concreto e até mesmo ao giz. Esses cheiros não são extraídos de fontes naturais, mas sim recriados em laboratório para capturar a sensação seca, fria e empoeirada desses materiais. Eles podem ser combinados com notas mais quentes, criando assim um contraste interessante, que resulta em perfumes ao mesmo tempo urbanos, modernos e sofisticados.

O novo gourmand: doces, sal e pipoca

Partindo para o campo dos cheiros que remetem a doces e sobremesas, a baunilha e o caramelo já são figurinhas repetidas nessa família, mas os perfumistas têm ido muito além do óbvio. Hoje, notas inusitadas como o sal e a pipoca salgada ou caramelizada vêm ganhando destaque e abrindo novas possibilidades para os perfumes gourmands.
A nota de sal, por exemplo, não se destaca sozinha, mas sua inclusão em fragrâncias cria a sensação de pele bronzeada e salgada pelas águas do mar, trazendo um frescor que contrasta e realça notas adocicadas e florais. Perfumes como La Déesse são um bom exemplo dessa alquimia contemporânea, combinando nuances salgadas com acordes abaunilhados e doces para um resultado ambíguo e hipnotizante.
Essa liberdade criativa faz do universo gourmand um terreno fértil para experimentações, onde os perfumistas exploram combinações surpreendentes de cheiros e texturas.

O retorno dos toques animálicos

Partindo para um campo ainda mais audacioso, percebemos o retorno dos toques animálicos na perfumaria contemporânea. Desde os tempos mais antigos, a arte de perfumar faz uso de notas de origem animal para fixar e conferir profundidade às fragrâncias. Hoje, porém, a maioria dessas notas não são mais de extração natural, sendo recriadas de forma sintética em laboratório, a fim de evitar qualquer tipo de crueldade animal (Leia um artigo completo sobre notas animálicas aqui).

O castóreo, por exemplo, uma secreção proveniente da glândula do castor, era tradicionalmente utilizado por suas características intensas, que remetem ao couro defumado. Sua versão sintética, tão poderosa quanto a natural, é usada atualmente para acrescentar nuances de couro e conhaque às composições olfativas.

Outro exemplo interessante é o alcatrão de bétula (birch tar), que, embora de origem vegetal, é conhecido por seu inebriante cheiro de fumaça e couro queimado. Ele foi protagonista de perfumes clássicos e ousados, que buscavam expressar uma atmosfera rústica e rebelde.

O inesperado e o urbano

Há também ingredientes que, à primeira vista, parecem completamente estranhos e até inadequados para um perfume. Entre eles estão notas que remetem a gás combustível ou concreto úmido, acordes criados em laboratório com a intenção de provocar e surpreender.
Em pequenas quantidades, no entanto, esses elementos acrescentam um realismo urbano e uma complexidade única às fragrâncias. Um perfume com um toque de asfalto, por exemplo, pode evocar a sensação de uma metrópole sob a chuva, combinando melancolia e vitalidade em uma mesma experiência olfativa.

A perfumaria como arte ilimitada

Por último, é preciso enxergar a perfumaria como uma arte ilimitada. Ela é um campo de exploração, descoberta e pioneirismo, onde a inovação reside em encontrar beleza nos lugares mais improváveis. Esses ingredientes, por mais estranhos que pareçam, são a prova de que um bom perfume é, acima de tudo, uma obra de arte, uma criação que desafia nossas expectativas e nos convida a sentir o mundo de uma maneira totalmente nova.

Escrito por Ítalo Pereira – Influencer e expert em perfumaria